quinta-feira, 24 de julho de 2008

Da série amenidades - Redescobrindo Arnaldo encaixotado II

E por falar em silêncio...


O silêncio.

Antes de existir Computador, existia a tevê.

Antes de existir tevê, existia luz elétrica.
Antes de existir luz elétrica, existia bicicleta.
Antes de existir bicicleta, existia enciclopédia.
Antes de existir enciclopédia, existia alfabeto.
Antes de existir alfabeto, existia a voz.
Antes de existir a voz, existia o silêncio.
O silêncio...
Foi a primeira coisa que existiu.
O silêncio que ninguém ouviu.
Astro pelo céu em movimento.
E o som do gelo derretendo.
O barulho do cabelo em crescimento.
E a música do vento.
E a matéria em decomposição.
A barriga digerindo o pão.
Explosão de semente sobre o chão.
Diamante nascendo do carvão.
Homem, pedra, planta, bicho, flor...
Luz elétrica, tevê, computador...
Batedeira, liquidificador...
Vamos ouvir esse silêncio, meu amor,
Amplificado no amplificador...
Do estetoscópio do doutor,
No lado esquerdo do peito esse tambor...

(Arnaldo Antunes)

Da série amenidades - Redescobrindo Arnaldo encaixotado

E por falar em cultura...

Cultura


O girino é o peixinho do sapo

O silêncio é o começo do papo
O bigode é a antena do gato
O cavalo é pasto do carrapato
O cabrito é o cordeiro da cabra
O pescoço é a barriga da cobra
O leitão é um porquinho mais novo
A galinha é um pouquinho do ovo
O desejo é o começo do corpo
Engordar é a tarefa do porco
A cegonha é a girafa do ganso
O cachorro é um lobo mais manso
O escuro é a metade da zebra
As raízes são as veias da seiva
O camelo é um cavalo sem sede
Tartaruga por dentro é parede
O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura

(Arnaldo Antunes)