domingo, 29 de agosto de 2010

Labirinto



















Tenho a veia costurada a frio e assobia quando passa o vento
Descubro flores no meio do nada.
Invento amores pra curar o tédio.
Anseio beijos longos de anos a fio, com todas as línguas da boca pra fora
Minha alma precipita o corpo
Meu riso é largo e para muitos
Meu coração é mais pra dentro, meu coração é mais pra dentro...

Fuga























Meu peito, abarrotado de promessas, encheu os porões até às escotilhas. 
Apertado, o coração saltou em fuga. Correu. Escapou. 
Meu coração sumiu no mapa. 
Pressinto o tonto que borboleteia o tudo afora e vez ou outra esbarra ao redor de mim. 
Débil insignificante, sofro amores não sei de quem. O doido vaga, insurgido por gosto. 
Inábil, tatuei um em vermelho, à guisa de marinheiro, na face de dentro do cais do meu peito, molhado de maré cheia, saudoso de embarcações... 

Gigante cheia de sol



...E eu abracei grande a pedra quente, de frente. 
Ela respirou em mim sua presença maciça... 
...E inundou os meus olhos com a voz do meu pai. 

terça-feira, 13 de julho de 2010

One day in your life




Há 18 anos uma criança calou o mundo por cinco minutos durante a ECO92.  O vídeo está na internet e eu me lembrei de como eu acreditava que aquilo tudo poderia fazer história. 
Construiram a linha vermelha por causa da ECO 92, dizem. Não queriam que os governantes passassem pela Av. Brasil. 
Com o tempo, os guardinhas do exército que ficavam deitados por toda a extensão da linha vermelha, negociavam suas metralhadoras com a favela da Maré. Quem morava na Ilha se lembra. A zona sul virou o paraíso, a zona oeste um inferno a la Dante. Agora estão ladeando a linha vermelha com tapumes e realizando as UPPs nas favelas que rodeam a zona sul. A Copa de 2014 vem aí. Dizem também que as Upps são encomenda de um grande empresário que anda investindo muito no RJ, falam no Eike Batista, circundam lendas aqui e ali.

E os bichos?  

Tenho um aluno que acha que zebra é só um termo de futebol. Tive que mostrar uma foto num livro para que ele não achasse que eu estava lhe pregando uma peça.  


E as crianças continuam crescendo analfabetas por causa da aprovação automática nas escolas públicas e as crianças continuam morrendo por tiros ao acaso, ou dengue ou fome...ou...ou...
E isso vai mexendo com a gente sem a gente saber, junto com os tempos violentos por todo lado. Esse dias chorei com a publicação de um amigo com a frase "Ternura para os nossos tempos" junto a um vídeo do Michael, tão jovem, cantando "One day in your life", simplesmente porque a palavra ternura foi pescada assim no meio da barbárie das últimas notícias, onde uma mulher some no mapa comida por cachorros e eu ainda ouço do homem da farmácia que "Você sabe como mulher pode perturbar quando quer, né?" . Aquilo me deixou mal, um mal de triste porque ainda se acha que a mulher é uma coisa e uma coisa que merece lição. A mulher não tem o direito nem de ser canalha que até as outras mulheres legitimam o castigo dizendo que ela era uma puta...

 E a voz doce e levemente triste do Michael pequenininho já embalou umas das minhas saídas da favela onde trabalho, às 23h, no escuro da noite, no meu fone de ouvido, enquanto eu ia passando por aquelas crianças de 10, 12 anos que estão deitadas amontoadas na saída da favela, chapadas de crack, sujas, muito sujas como eu nunca vi e tinha uma grávida, fora de si, nem sei se só dormindo, chupando o dedo, sem calcinha, ainda sem pêlos pubianos, com o vestidinho azul claro levantado e eu pensei em cobrí-la e eu pensei tanta coisa... e a barriga era quase do tamanho dela e eu chorei muito e as vezes essas dores me tomam forte e me causam muita, muita tristeza mesmo... Até anos depois, em lugares inesperados, por associação de pensamento.

Muitas vezes para não parecer um pessoa desequilibrada entre amigos risonhos, modernos, eu engulo o choro mas me falta muito o sangue frio...
Vejo as crianças crescendo sem chance de desenvolverem uma capacidade equilibrada de afeto. Tudo é injusto e violento. A estética é de horror. Os sentimentos estão desequilibrados e prevejo tempos tão bárbaros que eu tenho medo de esquecer como se ama. De esquecer palavras como ternura, afago, conforto, meiguice, doçura, amor ou zebra.

sábado, 29 de maio de 2010

A vida é um cabaré, colega. Venha ao cabaré. Venha beber nosso vinho!



Durante o espetáculo, nós, que estamos envolvidos com a realização daquilo, naquele momento e que também sabemos o que vai acontecer, ficamos em uma espécie de suspensão, esperando a coisa se completar. Precisamos sentir durante/após o espetáculo, o que está acontecendo com as pessoas a quem dedicamos aquilo, naquele momento. Aquelas pessoas que estão na platéia nos ouvindo com e através dos sentidos, essa escuta viva de experiência. Entretanto, não podemos nos preocupar com ela. Estamos ocupados exclusivamente com as ações e comprometimento dos nossos sentidos.
 

Durante o processo criativo, nós nos emocionamos com as possibilidades.
Com o olhar que lançamos sobre determinada coisa, com o encantamento que é descobrir uma forma de contar uma história. E também em descobrir uma história e que há infinitas formas de contar uma história, como na poesia.

Mas tudo isso fica em suspenso, a cada espetáculo, até se completar com o que acontece nelas, naquelas pessoas a quem oferecemos nosso olhar sobre o mundo. E é infinitamente emocionante quando há concordância. Sabendo que, pelo significado literal desse verbo, concordar com alguém é partilhar do mesmo coração.

Teatro é um ritual muito específico. Para que ele aconteça é preciso preparação. Porque teatro é uma coisa que não se pode guardar, reter. É um denso que se rarefaz. É uma duração.
Teatro é específicamente aquilo que acontece entre o ator e o espectador. O resto é só a preparação para isso. O teatro mesmo aparece só ali, nesse encontro.

Mas, nossa! Como é poderoso.


(Para Erica Magni, que me inspirou essa nota e para os atores e público do nosso Cabaret Favela Rouge, apresentado ontem no teatro Sérgio Porto no Rio de Janeiro, totalmente comprometidos com uma experiência dos sentidos)

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pequeno diálogo após espetáculo ou silêncio ex-amoroso

- Não imaginava que era assim...
- O quê?
- Você, quer dizer... Poxa você é atriz mesmo, né?
- Hã?
- Assim, atriz de verdade... Você tem uma força... É bom de ver...
- Ah... tá...
- É que... Me senti estranho. Eu não sabia a mulher que você era quando a gente...
- Você não sabe a mulher que eu sou, fica tranquilo...