quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

In-domável




Minha vida pode ser contada pela história de meus amores. É impressionante a capacidade que eu tenho de me apaixonar e mudar tudo, de uma hora para outra. Acho isso bom. Vou passando pela vida e me misturando a quem amo ou já amei. Falo de amigos também, às vezes. Vou entrando por aqui, por ali e saindo mais adiante, sendo outra. Eu mesma, mas outra. Talvez seja assim com todo mundo, não sei... Sei que eu mudo a cada momento e não me importa se é para melhor ou pior. Me iludo sempre que sou melhor. No sentido de ser melhor em relação a si mesmo, sem esse papo besta de moral religiosa ou cívica. Sem hierarquias limitadoras já definidas. Às vezes mudo em escalas largas, decisivas. Às vezes sutilezas fazem toda diferença. Este texto é um desabafo solitário em exposição aos que me lerem ao acaso. Gosto de ser solitária, quando me convém. Acho mesmo que a todo mundo convém um pouco de solidão. A intensidade precisa ser digerida sozinha. Não sou poeta, não sou filósofa, não sou doutora em nada. Mas me permito escrever o que me vem na telha.


Faço aqui minha pequena homenagem aos meus amores todos que me fizeram diferente este ano. Ao homem cego que não quis nada comigo, ao senhor de carro grande que me deixou saudade do que eu não vivi, ao homem comum, cheio de vida prevenida que me entediou, ao moço jovem que ficou me olhando dançar a noite toda, sentado em uma cadeira que mal lhe cabia os ombros...



Que delícia ver a vida que passa por aqui....



(Dedico este tolo solilóquio à Lou Salomé, a quem sempre invejei a existência, à Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, que eu tentei em vão imitar, à Florbela Espanca, à Sophia de Mello Breyner Andresen pelas poesias que eu gostaria de ter escrito e à Luz Del Fuego que foi realmente original.)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Setembro, 16 - 1930

Ela era apaixonada por Benito de Paula, imitava a Marylin Monroe e era fã de Elis.

Sempre bem maquiada, o frasco do seu perfume parecia um minarete.

Ouvia Luiz Vieira no rádio de pilha enquanto escolhia os brincos, antes de ir trabalhar.

Corria atrás da gente com a língua de boi que ainda ia cozinhar para brincar de "boi lambeu". Uma brincadeira meio esquisita que, além de produzir estranheza no espírito, deixava as pernas bem vermelhas!

Era devota de Santa Bárbara e colecionava letras de bolero dentro do enorme livro preto de receitas. Originalmente, um livro de registro, com páginas numeradas, que ela trouxe da sessão em que trabalhava. Depois virou relíquia, com fotos de guloseimas que pareciam flores e assados que eu jurava serem de verniz...

(pausa)

...Era capaz de ter salvado o mundo (até virado santa!) se, ao invés de processos, tivesse produzido ambrosia.

(Para Elívia, minha mãe. Para Betina, minha irmã)

domingo, 12 de julho de 2009

Solilóquio


"Eu pertenço a terra! Sou inumano! Fora as lamentações!

Fora elegias e réquiens! Que os mortos comam os mortos.

Dancemos nós, os vivos, à beira da cratera, uma última e agonizante dança.

Mas que seja uma dança!"

(Henry Miller)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Pelo buraco da fechadura

 "A arte tenta desvendar o mistério de viver e morrer." - Kazuo Ohno

(Para o poeta Bardo)

Espie aqui!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Me salve, Jorge!


St. George and the Princess Sabra - Dante Gabriel Rossetti

terça-feira, 7 de abril de 2009

"Diante da palavra III"



A fala avança no escuro.
O espaço não se estende mas se escuta.
Pela fala, a matéria está aberta, crivada de palavras;
O real ali se desdobra.
O espaço não é o lugar dos corpos; ele não nos serve de apoio.
A linguagem o carrega agora diante de nós e em nós,
visível e oferecido, tenso, apresentado, aberto pelo drama
do tempo no qual estamos com ele suspensos.
O que há de mais bonito na linguagem é que passamos com ela.
Tudo isso não é dito pelas ciências comunicativas mas nós
sabemos muito bem disso com nossas mãos na noite:
que a linguagem é o lugar do aparecimento do espaço.


(Valère Novarina)

domingo, 5 de abril de 2009

"Diante da palavra II"


Falar não é comunicar. Falar não é tocar nem fazer escambo - das idéias, dos objetos -,
falar não é se exprimir, designar, esticar uma cabeça tagarela na direção das coisas,
dublar o mundo com um eco, uma sombra falada;
falar é antes abrir a boca e atacar o mundo com ela, saber morder.
O mundo é por nós furado, revirado, mudado ao falar.
Tudo o que pretende estar aqui como um real aparente pode ser por nós subtraído ao falar.
As palavras não vêm mostrar coisas, dar-lhes lugar, agradecer-lhes educadamente
por estarem aqui, mas antes partí-las e derrubá-las.



(Valère Novarina)

'Diante da palavra'


"Eis que agora os homens trocam entre si palavras como se fossem ídolos invisíveis,
forjando nelas apenas uma moeda: acabaremos um dia mudos de tanto comunicar;
nos tornaremos enfim iguais aos animais, pois os animais nunca falaram mas sempre comunicaram muito-muito bem. Só o mistério de falar nos separava deles. No final,
nos tornaremos animais: domados pelas imagens, emburrecidos pela troca de tudo,
regredidos a comedores do mundo e a matéria para a morte.
O fim da história é sem fala."



(Valère Novarina)

terça-feira, 31 de março de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

O aniversário de Betina!





























"Quem me dera ter agora um cavalinho de vento para dar um galopinho onde está meu pensamento.


Lá, onde noite não havia. Só havia luz, só havia dia; e mãe preta contava os contos de outros dias."


(Quadrinha do folclore popular)








Dedico esta quadrinha à Betina Moraes com todo meu amor secular!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Delito



Defenestrei a alma por amor.


Atirei pela janela os sentidos.

Adiantei-me no precipício para fora.

Pari coragem de ir.

Antecipei a pele à margem de nós.

Desafiei amor arrufadiço.
Incitei vesânia desmedida.
Roguei palavras que não conheço...

Defenestrei a alma!

Para cima!


Com toda força!

E ninguém viu.


("La lettre d'amour" - Jean-Honoré Fragonard)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Maré de lua.


Quando fico assim frente a frente com você,
dentro de mim é sempre maré de lua.
A perfeição da sizígia:
Sol e lua alinhados fazendo transbordar o mar.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Amor de chegada

"Vi um certo número de pessoas jazendo no chão, em toda a minha volta,"

Não tinham sequer um suspiro de sonho,

nunca mais escreveram no muro por dentro de mim.

Eu vesti o silêncio de antes de vir

e pisquei passarinhos para o homem de Abril.



(A frase destacada é de Elias Canetti, pequeno hóspede que ficou por aqui. Essa tentativa de alguma coisa é para a Ciranda de Betina)


Para conferir do que se trata, clique aqui.